La leyenda de la piedra de la suerte

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Conta-se que fazia frio naqueles últimos dias de outono, próximo as margens do Prata. Frio este que mais rigoroso parecia com o cair da chuva fina e intermitente sobre a pele mal protegida dos lanceiros. Eram cinco os que restavam ainda de armas em punho a esperar o derradeiro fim. Ao pé de uma figueira, adiante de um mato entrecortado de maricás e sinamonos, era onde tentavam se abrigar os últimos sobreviventes da quinta companhia de guarda do coronel Graciliano Tavares. O coronel fora alvejado muito antes de chegarem a este local, quando ainda eram cinqüenta os que batalhavam incansavelmente por entre os seixos de rio do pampa onde mal se conseguia correr sem se enredar nos gravatás que tomavam o chão com seus espinhos sebosos.

O capitão Galego era o único que parecia ainda manter um pequeno fio de esperança enquanto mantinha-se sentado escorado a grande figueira com sua pistola em punho.

Ele era jovem, ainda sem completar trinta invernos sobre esta terra, mas mesmo assim de uma determinação de invejar o mais ancião dos lobos da savana. Moreno de queimar ao sol e de olhos castanhos claros, ele tinha uma barba rala e um nariz largo como os escravos. Sempre cuidara bem de sua farda e o lenço encarnado ao pescoço era sua marca registrada, além do chapéu de aba larga. Era o melhor dos atiradores da companhia já tendo deitado mais de uma grosa de inimigos naquela guerra a qual já não lembravam o motivo. Porém pouco importava este passado já que o destino do presente era o pior algoz.

Olhava seus companheiros de armas cansados, tentando em desespero se esconder no matagal, feridos e desorientados após serem quase dizimados pelas tropas dos Chimangos. Por milagre ele e os outros quatro conseguiram correr pelo mato adentro, ganhando certa distância da vanguarda do inimigo. De nada adiantaria já que todos estavam feridos demais para seguir a fuga e tombaram próximos daquela figueira frondosa que minimamente lhes abrigava da chuva.

O jovem Capitão ainda pensava em maneiras de evitar a morte de todos, mas logo ouviu o barulho de inimigo se aproximando pelo mato. Eram muito e vinham de todos os lados. Sua coragem estremecera naquele momento sem esperança. Cerrando os olhos ele agarrou fortemente uma pedra que pendia de seu pescoço.

Em meio ao barulho da chuva e o farfalhar do capim amassado pelo avanço de muitos homens, os quatro soldados da quinta companhia de guarda ouviram um sussurro engasgado de seu capitão:

— Juliana.

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A água que corria em meio às pedras do riacho fazia um barulho agradável e tranqüilizante. Sua melodia apenas era atrapalhada pelo bater de roupa ensaboada, manipulada pela menina de longos cabelos dourados, cabelos estes que rivalizavam com a beleza dos raios de sol do amanhecer. Cantava uma singela canção sobre bruxas e seres imaginários da floresta, daquelas que se cantava para as crianças a noite para que se amedrontassem. Seus lábios carnudos abriam e fechavam em harmonia com a quadrinha que cantava.

O som próximo do galope de um potro interrompera a melodia e desviara seus olhos, azuis como a água da sanga, para longe de seu trabalho de lavadeira. Era seu amado que se aproximava galopando imponente, aquele o qual jurara perante deus amar e ser amada para todo o sempre.

Ela erguera-se do riacho, tentando ajeitar seu vestidinho de chita, para correr ao encontro de seu marido.

— Tu vieste me ver carinho? Pois que estou tão feia aqui a trabalhar e vejo em teu semblante que não te agradas me ver assim. — Disse a jovem ao perceber o franzir da testa de seu amado ao apear do potro.

— Não é nada disso que dizes Juliana! — Disse o capitão Galego, tomando a jovem em seus braços. — São as notícias que trago que fazem meu coração pesar e meu semblante enrijecer.

— Pois então me falas carinho! Não me deixa em ânsia.

O jovem capitão beijou vagarosamente os lábios carnudos de sua mulher e pode sentir a palpitação de seu coração ao encostar seu peito no dela. Tomou fôlego e olhou nos olhos de sua amada.

— Os Chimangos se aproximam, com seu exército, destas estâncias carinho. Já tomaram São Miguel e Santo Ângelo e logo chegarão muito próximos daqui. O Coronel Graciliano esta reunindo todos os Maragatos para tentar pará-los nos campos além de Rosa Cruz.

As lágrimas já corriam dos olhos de Juliana, pois já previra que notícia viria a seguir. Seu amado era capitão de milícia e jamais ousaria recusar um chamado de guerra para defender o pampa onde nascera.

— Não chores carinho, pois que voltarei logo que tudo tiver acabado e te darei o filho que tanto queres, para amar e cuidar e ser o fruto de nosso amor.

— Eu não ouso retrucar tua decisão meu marido. Mas temo por tua vida! — Ela abraça fortemente o jovem capitão e logo depois o solta indo até a beira do riacho onde estava seu cesto de roupas sujas. De lá ela traz algo nas mãos para mostrar a seu amado. — Já que vais leva isto contigo!

Galego olha para as mãos de Juliana e percebe uma pedra translúcida e em forma de trevo. Parecia reluzir um sol em seu interior ao refletir os raios do amanhecer. Parecia estar quente pela forma como brilhava, mas era gelada ao toque.

— Mas é uma pedra?

— É minha fé que levas contigo carinho. A fé de que irás voltar e que vai te proteger em tua jornada. Não te separes dela e ela te trará pra mim. Acredite! — Disse Juliana dando um beijo na pequena pedra e entregando-a para seu marido.

— Vou levá-la sempre junto ao meu coração, para que acalente a saudade de teus lábios e de teu calor.

E sem dizer mais nenhuma palavra, o capitão Galego montou em seu cavalo e saiu a trote, deixando para trás sua jovem esposa em lágrimas, como se previsse que talvez aquela fosse a última vez que veria seu grande amor.

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O cheiro de mato molhado se misturava ao gosto de ferro pelo sangue que tocava os lábios. Tudo parecia ser desolação e desespero naquelas raízes de figueira onde tentavam se abrigar os soldados Maragatos.

O inimigo estava cada vez mais próximo. Em um estampido se ouviu o primeiro tiro que foi matar José, o ferreiro filho de dona Mariana. Ele tentara correr novamente, mas ao se erguer descobriu que os Chimangos já estavam ao alcance de tiro ao atingi-lo em cheio na cabeça. Gonçalo, o atendente da venda, ainda tentou atirar na direção do mato, mas tombou com dois chumbos no peito. Antonio não resistiu ao desespero e antes que outro fizesse, estourou os miolos com sua própria pistola.

O capitão Galego assistia a tudo aquilo impotente, agarrado a sua pedra da sorte. Naqueles momentos derradeiros pensou em tudo que sonhara fazer em sua estância, e nos tantos filhos que quisera dar a Juliana. O quanto amava aquela mulher e como tudo aquilo não fazia nenhum sentido.

Pode ver um soldado se erguer da mata fazendo mira em Martin, o último lanceiro que se arrastava em sua direção. Lançando mão de sua última bala, acertou entre os olhos do chimango. Seu companheiro conseguiu enfim se aproximar.

— O que vamos fazer capitão? — Disse o soldado com o semblante em desespero.

— Encomenda tua alma a Deus Martin, e reze por aqueles que tu amas para que tenha um fim mais tranqüilo que o teu. — E ao fim da fleuma, o capitão se recostara na figueira com os olhos serrados, imaginando Juliana na beira do riacho.

Os inimigos chegaram às raízes da figueira e um grande clarão se viu na mata.

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Juliana acordou de sobressalto.

Um aperto em seu coração logo fizera as lágrimas correrem dos olhos machucados pela luz da espiriteira. Ela foi até a varanda de sua casa e viu que chovia muito e o vento minuano soprava forte.

Começou a rezar por seu amado e soube que aquele augúrio significava o pior. Seu amado, aquele o qual sonhara ter seus filhos e viver até o fim de seus dias, havia tombado na batalha. Nada mais poderia ser como sonhara. Naquele instante nada mais fazia sentido.

Correu até a cozinha da estância onde pegou a navalha que jazia sobre a prateleira feita de madeira de eucalipto. Deitou-se novamente na cama e vagarosamente cortou seu pulso esquerdo com a lâmina afiada e deixou-o pender.

A tontura logo veio lhe acalentar a dor do ferimento. Balbuciava repetidas vezes o nome de seu amado como se o chamasse para que juntos deixassem este mundo. E em meio ao sangue que escorria sem parar, ela pode ver o Capitão Galego em pé próximo à porta do quarto. Ele sorria e em sua mão mostrava o seixo translúcido que brilhava como o sol de outro dia.

Em um suspiro, a bela Juliana eternizou aquele momento em suas últimas palavras.

— A pedra te trouxe de volta para mim carinho!

E com o sorriso de seu amado seus olhos se escureceram.

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Contam os antigos que todos aqueles que encontram um seixo transparente nas margens do rio da Prata podem sentir o calor do amor entre Juliana e Galego.

Amor que através desta pedra, nem a morte pôde separar.